Transplante
Foto: Clovis Prates/HCPA

Transplante dominó com um adulto e dois bebês: veja como foi

As famílias dos bebês não se conheciam, mas acabaram criando um forte laço de amizade e gratidão

Publicidade

O transplante de órgãos salva vidas de pessoas de todas as idades, inclusive de bebês. E nem sempre precisa que o doador seja falecido. Em alguns casos, pode ser feito até um transplante dominó, que envolve mais de duas pessoas.

Para entender o que é o transplante dominó, especificamente neste caso envolvendo um adulto e dois bebês, temos que explicar as doenças de cada um dos bebês.

Então, vamos apresentar a você o Enrico e a Ayanna, dois bebês que nasceram em abril de 2021, foram diagnosticados com doenças diferentes, mas a vida os aproximou por um objetivo em comum: o transplante de fígado.

Veja também: Bebê faz transplante de coração inédito: o tipo sanguíneo não era igual

Publicidade

O caso de Ayanna

Nascida em 4 de abril de 2021, em Salvador, Ayanna foi diagnosticada com atresia biliar com quadro de cirrose com três meses de idade.

Na atresia biliar, as vias biliares são bloqueadas, impedindo que a bile chegue ao intestino. A bile acumulada no fígado pode causar uma inflamação no órgão que rapidamente progride para uma inflamação “madura”, que chamamos de cirrose. O paciente com cirrose apresenta complicações decorrentes do não funcionamento do fígado.

Até hoje, não se sabe o que causa atresia biliar, mas ela pode ocorrer no útero ou se desenvolver com até 2 semanas de vida.

É uma doença exclusiva da infância, se descoberta até os 45-60 dias de vida pode-se tentar fazer uma cirurgia que “costura” o intestino ao fígado, para permitir a passagem de bile. Após esse período, a lesão no fígado já é tão importante que só pode ser resolvida com transplante do órgão.

Publicidade

Veja também: 7 sintomas de que o fígado está sobrecarregado

O caso de Enrico

A mil quilômetros de Salvador, nascia Enrico, no dia 15 de abril de 2021, em Marabá (PA). Com um choro persistente que não deixava a família dormir.

No quarto dia de vida, o menino ficou roxinho e parou de respirar por alguns segundos. No caminho para o hospital, ele começou a ter o que pareciam soluços, mas, chegando lá, foi constatado que era uma convulsão.

Publicidade

Foram diversos exames, incluindo o teste do pezinho ampliado. Nesse período, Enrico piorou e foi intubado. Uma semana depois, a família foi informada que o menino tinha um edema cerebral grave e o teste do pezinho apontou alterações nos aminoácidos, o que indicava que ele tinha alguma doença genética devido a algum erro inato do metabolismo. A equipe médica suspeitou que ele tivesse a doença da urina do xarope do bordo.

Aproveite e veja: O que são doenças genéticas e quais as mais comuns

Quem explica sobre a doença, em entrevista para UOL Saúde, é Sandra Maria Gonçalves Vieira, professora associada do Departamento de Pediatria da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), chefe da Unidade de Gastroenterologia e Hepatologia Pediátrica e coordenadora do Programa de Transplante Hepático Infantil do HCPA, e uma das médicas responsáveis pelos casos de Enrico e Ayanna.

Publicidade

“A leucinose ou doença da urina do xarope do bordo (DXB) é um distúrbio genético, caracterizado pela atividade prejudicada de uma enzima que evita o acúmulo de algumas substâncias chamadas de aminoácidos. O acúmulo dos aminoácidos leucina, isoleucina e valina nos pacientes com DXB tem efeitos tóxicos para o sistema nervoso central”.

O tratamento para leucinose consiste em ofertar vitamina B1 e fazer uma dieta rigorosa com redução da ingestão de proteínas por toda a vida. Mas, mesmo seguindo esse protocolo, complicações como dano cerebral, coma e morte podem ocorrer.

Um dos tratamentos para Enrico era fazer o transplante de fígado. “O fígado dele funcionava bem, não tinha nenhum indício de inflamação, mas assim como os seus rins, músculos e cérebro, o fígado não possuía a enzima necessária para metabolizar os aminoácidos. Um fígado normal, de uma pessoa sem leucinose, traria com ele 15% da enzima necessária para evitar o acúmulo dos aminoácidos e as crises neurológicas”, afirma a médica Sandra.

Publicidade

Tipo de sangue não será mais barreira para transplantes, afirma estudo

O transplante dominó com um adulto e dois bebês

Inicialmente, Enrico faria um transplante hepático tradicional. Ele receberia parte do fígado do tio, que se ofereceu para ser o doador, e o órgão de Enrico seria descartado.

Mas, numa das consultas com o médico que faz os transplantes, o profissional perguntou se eles aceitariam doar o fígado de Enrico para uma menina — era Ayanna —, que tinha o mesmo tipo sanguíneo dele, o B positivo, um tipo raro, e falou do transplante dominó.

Publicidade

“O transplante de fígado dominó (ou sequencial) é uma modalidade em que um indivíduo com fígado com estrutura e funções normais (paciente com uma doença genética) recebe um fígado de um doador vivo ou falecido e doa o seu fígado normal para um outro indivíduo com uma doença na qual o fígado tem estrutura e função anormais (cirrose de qualquer causa)”, explicou a médica.

E ela continua explicando: “a substância que falta no fígado do paciente com a doença genética no corpo de um paciente que não tem a mesma doença é compensada pela produção desta substância por outros órgãos (rins, músculos, cérebro, etc). A substância produzida pelo fígado transplantado no paciente com doença genética é suficiente para regularizar o funcionamento.”

Enrico e Ayanna tinham 10 meses quando realizaram o chamado transplante dominó, que aconteceu da seguinte maneira: Felipe Ferro, 23, tio de Enrico, doou a parte esquerda de seu fígado para o sobrinho, e o menino doou seu fígado para Ayanna.

Publicidade

“Mesmo sendo um bebê, Enrico já fez uma coisa grandiosa, salvou a vida da minha filha”, diz Marine Souza, confeiteira, 29, mãe da menina.

No dia 8 de janeiro de 2022, o HCPA realizou a cirurgia inédita em crianças no Rio Grande do Sul. A cirurgia de transplante dos bebês durou 16 horas e contou com a participação interna e externa de aproximadamente 30 profissionais de saúde.

Veja também: Doação de órgãos: saiba como ser um doador e salvar vidas

Publicidade

Fonte: UOL Saúde

PODE GOSTAR TAMBÉM