A experiência de um estupro pode causar danos irreversíveis na vida de uma pessoa. Esses danos dependem de como é a pessoa (personalidade, histórico de saúde, idade, etc.) e de como foi o estupro (nível de violência). De qualquer maneira, não existe estupro pior ou melhor: existe apenas um crime inaceitável que precisa ser falado abertamente para ser, cada vez mais, combatido.
Mesmo sem penetração é estupro
O primeiro mal a ser combatido é o pensamento de que só é estupro quando envolve penetração do homem na vítima. Estupro é forçar uma pessoa a um ato sexual sem consentimento, mesmo sem penetração.
Segundo o artigo 213 do Código Penal Brasileiro, esse crime se caracteriza por “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.
A conjunção carnal mencionada no artigo 213 se refere à penetração vaginal ou anal. E os atos libidinosos podem ir desde uma mão por dentro da calcinha sem permissão, inclusive quando é feito por um ficante, namorado ou marido. Envolveu toque sexual sem consentimento, seja num homem ou numa mulher, é estupro, e pode levar de 6 meses a 10 anos de cadeia.
Vale ressaltar que o estupro pode acontecer mesmo durante um ato sexual com consentimento. Por exemplo, quando a pessoa retira a camisinha sem o outro concordar com isso, é uma atitude que também entra no artigo 213, pois coloca a saúde em risco e pode causar uma gravidez indesejada. Esse ato é chamado de stealthing.
Estupro de vulnerável
Esse tipo de estupro é considerado pior, tanto que pode resultar em pena de 8 a 15 anos de prisão. Vulneráveis são as pessoas menores de 14 anos, também aquelas que não podem oferecer resistência, seja por estarem embriagadas, dopadas ou com alguma enfermidade.
Se o abusador for da mesma família da vítima, como pai, mãe, tio, avô ou outra pessoa que tenha poder de controle sobre a vítima, a pena pode aumentar.
Aproveite e veja: A história do pai que entregou o filho à Justiça após descobrir estupro
O efeito do estupro na saúde mental de crianças
As crianças estão entre o grupo mais vulnerável, pois os efeitos psicológicos de um crime como esse na mente que ainda está em formação são devastadores.
E isso ocorre mesmo quando a criança foi estuprada ainda muito pequena e só vai descobrir ou se lembrar disso mais velha, quando procura terapia para lidar com problemas emocionais que ela traz da infância, mas não sabe exatamente o motivo.
Como explica a psicóloga e sexóloga Sheila Reis, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana, em entrevista ao UOL Equilíbrio, “existem clientes meus que só vão lembrar [mais para frente] na terapia que houve o estupro na infância. Na adolescência, eles começam a se sentir culpados. Isso traz uma carga, mistura sexualidade com sujeira, com coisa feia. E atrapalha relacionamentos futuros por conta da falta de confiança que se vai depositar no parceiro”.
Efeitos que perduram ao longo da vida
No livro “O Valor da Âncora: Fatos Reais” (Autografia Editora), lançado em outubro de 2020, Esmínia Portman, de 26 anos, relata que sofreu estupro aos sete anos de idade e até hoje tem pesadelos e insônia.
Por conta do abuso, ela também teve depressão na adolescência, tentou suicídio e ficou em coma. Depois de quase morrer, procurou ajuda psicológica, já tendo atualmente passado por cinco psicólogas diferentes.
“Nós, vítimas [de estupro], temos isso no nosso coração. Que ninguém ama a gente, que ninguém quer ficar perto da gente. Eu tento mudar esse contexto na minha cabeça, mas às vezes não dá para tirar isso, não dá”.
Por ter sofrido ameaça, a jovem explica que demorou 19 anos para falar sobre a agressão. Ela também evita passar em ruas nas quais acredita que o estuprador possa estar. “Aquele gosto da boca dele, aquele cheiro, é uma coisa muito ruim. Até hoje eu sinto o gosto da saliva dele, aquela coisa não sai”, desabafa.
Veja também: O que é violência silenciosa e como acabar com ela
Estupro marital
Antigamente – quando a sociedade brasileira era ainda mais machista –, os maridos eram considerados donos de suas esposas e, por isso, podiam fazer com elas o que quisessem, sem serem incriminados. Hoje não é mais assim, quem faz isso é criminoso. Mas, o que não falta no Brasil são casos de estupro marital que, aliás, também engloba namorados, ficantes, parceiros em geral.
Muitas mulheres, por falta de conhecimento sobre isso e de saber reconhecer o que é considerado estupro, não denunciam e passam uma vida de violência doméstica.
“Você não está a fim, às vezes nem gosta mais daquele parceiro tanto assim, mas se vê obrigada a ter uma relação sexual com ele, pois ele te agride. Existe uma questão social de que [satisfazer o outro com sexo] é obrigação da mulher. Isso acabou na lei, mas não na cultura, que ainda permeia isso”, comenta a psicóloga Sheila Reis.
Efeitos psicológicos nas vítimas
Mesmo quando o estupro ocorre com uma pessoa adulta, os efeitos psicológicos podem ser tão nocivos quanto em uma criança.
Logo após a violência sexual, o que ocorre com frequência são sintomas de reação aguda ao estresse, como hipervigilância, dificuldade de relaxar, insônia e medo constante.
E, principalmente se a vítima não recebe apoio, não realiza tratamento ou é desqualificada, os sintomas podem se intensificar, gerando consequências como:
- Rotina disfuncional
- Falta de confiança generalizada na hora de criar vínculos afetivos
- Baixa autoestima
- Isolamento e retraimento, dificultando falar sobre o trauma
- Sensação de culpa e vergonha intensificadas
- Impacto emocional no sistema de alerta, gerando dor física
Por fim, o quadro pode evoluir ainda para transtorno de estresse pós-traumático, fobia, transtornos alimentares, distúrbios sexuais, depressão ou ansiedade.
Como agir em caso de estupro?
A vítima de um estupro deve ligar para a Polícia Militar (190) ou para a Central de Atendimento à Mulher (180). Se for possível, é melhor ir até uma delegacia, dando preferência para uma Delegacia da Mulher, para registrar um boletim de ocorrência.
Com a queixa registrada, a vítima será encaminhada para um órgão de saúde para exames de detecção de infecções sexualmente transmissíveis. É preciso fazer o procedimento em até 72 horas para que funcionem medicamentos antirretrovirais (como para a prevenção do HIV). Por último, o encaminhamento é para o IML (Instituto Médico Legal), onde é feito um exame de corpo de delito.
Veja também: Músicas machistas brasileiras: um mal que precisa ser combatido
Artigo com informações de UOL Equilíbrio