pessoas sem documentos no br
Crédito: Freepik

Como vivem as pessoas sem documento no Brasil

São milhões de brasileiros que não conseguem dar um passo adiante na vida porque não possuem certidão de nascimento

Publicidade

Eles não são estrangeiros, são brasileiros. Mas que não possuem documentos. E, com isso, não conseguem ter seus direitos básicos atendidos, sendo levados a uma vida à margem da sociedade.

Sem direito ao auxílio emergencial durante a pandemia

Inclusive na situação atual em que o mundo vive, que é a da pandemia do novo coronavírus, as pessoas que não têm documentos estão sendo muito afetadas. Enquanto as filas se formam para a retirada do auxílio emergencial nas agências da Caixa Econômica, aqueles que não possuem documentação para se cadastrarem são tratados como invisíveis.

“Se a pessoa não tem nenhum documento, ela está fora do radar do Estado. Literalmente, é como se aquela pessoa não existisse. Isso gera um grau de invisibilidade tremendo”, diz Renata Bichir, pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole, em entrevista ao R7.

Pessoas invisíveis aos olhos do Estado ficam sem direitos básicos

Crédito: IBGE

E se você pensa que esse número é pequeno, não é. De acordo com uma estimativa do IBGE, pelo menos 3 milhões de brasileiros não têm registro de nascimento.

Publicidade

Para algumas pessoas, que vivem endividadas ou com problemas com as autoridades, em algum momento da vida desejaram começar do zero, como se os seus registros nunca tivessem existido.

Mas, se vivessem mesmo essa realidade, jamais desejariam estar completamente fora dos registros sociais. Não precisa fazer esforço para imaginar como deve ser viver sem RG, CPF, título de eleitor, carteira de trabalho, de motorista, sem qualquer certidão.

“As vacinas que ela tem que receber durante a infância, precisam da documentação, o acesso à escola precisa de documentação. Dois direitos, educação e saúde, são muito mediados pela documentação”, lembra Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil.

Esses documentos são obrigatórios para que possa exercer qualquer atividade como cidadão. E então, como é que essas pessoas vivem? Por que nunca tiveram seus registros nos cartórios?

Publicidade

O primeiro documento de todos

O que acontece é que, para ter qualquer um dos documentos mencionados acima, é preciso ter uma certidão de nascimento. Esse é o primeiro documento da vida de uma pessoa, que comprova que ela existe, pois nasceu em algum lugar e com alguma testemunha disso. Mas, essas pessoas invisíveis, nunca tiveram esse documento. Elas não podem dar o próximo passo.

Esses milhões de brasileiros existem, sim!

Crédito: Daniel Tertuliano/Record TV

Se para o Estado eles são invisíveis, a verdade é que eles existem, são bem visíveis, e estão por aí. Vivendo às margens da sociedade de forma cruel.

Esse homem da foto, por exemplo, é o Vagner. Ele nunca foi à escola e nunca recebeu uma vacina. Ele não sabe seu sobrenome nem a sua idade. Quando nasceu, sua mãe não o registrou, pois ela também não tinha documentos. Segundo a esposa dele, Maria da Silva, Vagner deve ter por volta dos 30 anos de idade.

Publicidade
Crédito: Daniel Tertuliano/Record TV

Os dois vivem em uma vila chamada Petus, em Araripina, Pernambuco. Moram em um casebre de apenas um cômodo e têm dois filhos. Não possuem energia elétrica e a casa é feita de pau a pique.

Os filhos de Vagner e Maria são registrados, mas como filhos de mãe solteira, pois Vagner, sem documentos, não tem o direito de registrar os próprios filhos. E também por causa de Maria, a única renda fixa deles é o Bolsa Família.

O que explica tamanha exclusão?

Crédito: Reprodução

Como viu na imagem acima, o registro civil só se tornou obrigatório no Brasil a partir de 1888, séculos depois do descobrimento. E mesmo assim, até hoje, muitos brasileiros vivem como se ainda estivessem naquela época.

Publicidade

É assim que avalia o economista Marcelo Neri, também em entrevista ao R7: “Parte da nossa população ainda está no século XIX. Não é nem no século XX, porque certidão de nascimento é um papel que já deveria fazer parte da vida das pessoas já no século passado.”

Ainda no final do século passado (que na verdade não está longe, pois terminou no ano 2000), a lei Nº 9.534 de 1.997 tornou o registro de nascimento gratuito no Brasil. Então, se o problema não é o dinheiro para fazer o registro, por que existem tantas pessoas sem certidão de nascimento?

Pois é. Isso mostra um pouco do nível de desigualdade social que existe no país, que vai muito além de ter dinheiro. Acontece que, quando a pessoa nasce e não recebe um registro de nascimento, ela simplesmente não consegue ir adiante. Como é que vai ganhar dinheiro formalmente? Como vai ter acesso à educação e saúde? E aos auxílios do governo?

Publicidade

Algumas dessas pessoas, como no caso de Vagner, não tiveram certidão porque os pais também não tinha, e vira um ciclo vicioso. Se a esposa dele não tivesse, os filhos também não teriam.

Outras pessoas vivem essa situação por causa da pobreza extrema que é causada pela exclusão social e a falta de oportunidade. Um exemplo é o de Gisele, criada em uma das comunidades mais pobres do Rio de Janeiro e que nunca foi à praia. Também nunca teve um documento, não tomou vacina, não sabe ler, nem escrever e jamais foi ao médico. “Gostaria de sair dessa vida de sofrimento. Ser reconhecida como pessoa”.

Nesse caso, parece que é fácil ir a um cartório tirar a certidão depois de adulto. Mas, onde é que fica a orientação quando não se sabe ler nem escrever? Quando não frequenta o centro da sociedade, não sabe onde ficam os órgãos de registro e nem tem duas testemunhas para assinar o documento, como é obrigatório para analfabetos?

Publicidade

É preciso pensar com mais empatia na realidade do próximo e deixar de pensar que muitas pessoas vivem excluídas por causa dos seus atos ou da falta deles. Colocar-se no lugar do outro é o primeiro passo para que pessoas que já tem todos os documentos e mais alguns, aprendam a valorizar vidas que poderiam estar no mesmo patamar se tivessem visibilidade e oportunidades.

Reportagem: R7

PODE GOSTAR TAMBÉM